Ruy Guerracontos

Negro João há de morrer no mar
Ruy Guerra




1.

Negro João está deitado na esteira, doente,faz quatro vezes que o Negro João não vai na pesca; faz 4 vezes que negro João não vai no bazar vender peixe; faz 4 vezes só, mas para o Negro João faz muito tempo.

2.

É noite. Já esta na hora de ir na pesca, negro João levanta-se a custo, depois vai na janela, Negro João sabe que está doente, sabe que não pode ir, mas quer ver o barco sair, ouve as vozes dos companheiros, os gritos de despedida, vê o barco desaparecer na noite escura...depois... não ve senão o mar, não ouve senão o mar, Negro João fica a pensar.

3.

Negro João é pescador, pai de negro João também foi, só filho que não, Negro João podia fazer filho bom pescador, bom mesmo, mas depois pensou bem, vida de pescador não é certo, cada vez tem muito peixe e cada vez não tem dinheiro para comida, quando o mar zanga, o pescador não pode ir ao mar, fica na terra, não ganha nada, pescador não tem vida direito memo, porque mar não é igual cada vez ta bom, sem vento levanta ondas vira barco, não,vida de pescador não é certo, por isso que filho de Negro João não é pescador, trabalha no Xiloguine é moleque.

4.

Mas Negro João gosta de ser pescador, vai de noite na pesca, lá longe no meio do mar, vai com outra gente no barco, deita linha, faz a vez, não tem peixe, arranja pouco dinheiro, gente vem triste, calado, outra vez apanha muito, enche caixote, vem cantar, falar, rir, quando já é dia vai no bazar vender peixe, e depois volta na Catembe.

5.

Negro João lembra aquele dia, Negro Ernesto, pesca tinha sido bom, tinha vendido muito peixe no Bazar, negro Ernesto também ficou muito contente, foi na cantina, bebeu, quando estava a voltar para casa, no barco, negro Ernesto brincava montes, estava bêbado, Negro João mandou ele sentar, mas negro Ernesto não parava quieto, nadava a passear no barco, caia, depois levantava, sempre a cantar, Mamana Felina, toda gente começou cantar também, toda gente estava satisfeita, o barco andava depressa, o mar estava quieto, faltava pouco pra chegar na Catembe, tudo cantava, Mamana Felina Negro Ernesto gritava muito alto e mexia os braço depois caia em cima do banco, mas levantava a cantar.

6.

Negro João estava a olhar para a terra quando ouviu o grande grito, virou a cabeça, chegou ao mesmo tempo de ver Negro Ernesto cair na água, toda gente parou cantiga, e estendeu o braço para puxar Negro Ernesto, Negro Ernesto batia na água com força, ia no fundo vinha no cima, gente grita ele para nadar, mas Negro Ernesto não podia, estava muito bêbado.

7.

Negro João ia para saltar na água, quando Negro Ernesto deu um grande grito, Negro João ficou quieto e o Negro Ernesto ir no fundo, Niacuavi tinha apanhado ele, toda gente calou, toda gente calou, toda gente viu Negro Ernesto bater muito na água, viu Niacuavi puxar Negro Ernesto e levar, toda gente viu, mas não podia fazer nada só ficou sangue na água, muito sangue, Negro Ernesto não voltou mais.

8.

Quando o barco chegou a terra toda gente inda estava calado, estava pensar Negro Ernesto (um momento vou parar) (continuação da pagina anterior)Pensava mulher de Negro Ernesto, os mufanas pensar beber não é bom, quando Negro Ernesto não tinha ido na cantina não tinha morrido, pensar mar não é bom, pensava mar não gosta de pescador, ele é barco engole gente e quando Niacuavi não come morto, mar atira gente na praia, atira gente na praia.

9.

Malengo ia todos noite na pesca, outra gente dizia velho Malengo para descansar, Malengo não podia agüentar, já não tem forças, já não tem dente, já não tem carne, só pele, mas velho Malengo gosta do mar, todo vida passou no mar, mulher dizia velho Malengo para ter cuidado, Malengo ria, mar conhece meu barco, é amigo de Malengo, não faz mal a ele e ia na pesca.

10.

Um dia, mulher de Malengo fica esperar marido, velho Malengo tinha ido apanhar camarão, mas demora, demora...a mulher de Malengo cansa esperar, sabe marido deveria voltar meio dia, já passa cinco horas, mar está sossegado, não há vento forte, mulher de Malengo vai na praia, fica andar, andar, ver se vem barco, nada, só lá junto da doca está uma coisa, quando chega, mulher de Malengo dá um grito, na areia, junto da água fica o velho Malengo está morto.

11.

Negro João está cansado, sai da janela, deita outra vez na esteira, fica olhar o teto da palhota, velho Malengo dizia, mar gostava dele, mas mar matou ele, matou mesmo sossegado, parece sabia velho Malengo já não podia nadar, virou o barco só, depois cuspiu ele na praia.

12.

Negro João pensa, mar também gosta dele, mas Negro João sabe que o mar há de engolir ele como o pai do negro João, como o velho Malengo, como Ernesto. Negro João sabe, é assim, vida de pescador é morrer no mar.