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Fotografando o que não se vê
Ruy Guerra




Um filme, na contramão do lugar comum, não é roteiro. Uma história, um filme, cada uma e cada um, exigem um olhar próprio - e a fotografia é uma das principais concretudes desse olhar que não está escrito.

Outras há, mas o filme, aqui esquartejado nestas poucas palavras, deve à imagem o seu merecido tributo sígnico.

O diretor de fotografia, quando entende e aceita a proposta do diretor, arranca da sua sensibilidade e da sua técnica uma dimensão maior do que as palavras secas ou túmidas que foram lidas, das sugestões ou referências que lhe podem ter sido ditas, para criar, balizar e estimular o seu trabalho.

A fotografia de um filme, quando atinge o seu ápice (para mim), não busca o belo ou o feio, não procura o efeito, o brilho, a sombra e não sei que mais – procura, com tudo isso, o indefinível que constrói o plano e sua estrutura, procura o todo do filme, na lógica e na emoção da narrativa submersa. Adivinha a música do filme – capaz de a tornar por vezes inútil - com suas sombras fora de esquadro e sua luz despropositada; dá espaços ao espaço, novos tempos ao tempo, e dá novas linhas de leitura, difusas, aos objetos, aos personagens, à trama.

Confuso? Difícil? É isso mesmo.

Qual o caminho? Não me perguntem.

Sei, e apenas isso: que Walter Carvalho, nos borrões destorcidos da sua miopia e não sei que estigmatismos (quem sabe se por isso mesmo, mas não só!) é capaz de ver os silêncios e escutar os espasmos da luz; sei da solidez das suas bases teóricas pelos despretensiosos bate-papos sobre tudo e nada, no set de filmagem, nas inevitáveis esperas entre dois planos; sei - e seus filmes o provam e boto a mão no fogo - que Walter Carvalho é homem para iluminar o indizível, seus ecos e ocos.

Por ser capaz de tais proezas, um diretor de fotografia como Walter de Carvalho, com quem trabalhei e a quem tocaio na próxima esquina, é quem é.