Ruy Guerracronicas

Brasil, um faroeste de colarinho branco
Ruy Guerra




A América do princípio do século XX encontrou na grande epopéia do Oeste a história de um país que ainda não tinha história.

Inúmeros filmes contaram a aventura das grandes caravanas, da febre do ouro, da construção da via férrea, das lutas entre criadores de gado e agricultores, do extermínio das nações índias em que a tristemente famosa frase do General Sheridan "um índio bom é um índio morto" era o lema desse cinema "made in Hollywood". O faroeste, onde a lei era a bala, passou a ser considerado "o cinema por excelência" .

Bandoleiros famosos, como os irmãos Dalton, Frank e Jesse James, Billy the Kid, Butch Cassidy, Doc Hollyday e muitos mais, foram elevados à categoria de mito. O fascínio pelos caubóis era, e é, tão forte, que quiseram ver no nosso cangaço uma possibilidade de criar um "nordestern " (faroeste do nordeste), pelo simples fato de haver bandidos, cavalos, perseguições, esquecendo o fundamental: que o cangaceiro era o produto de uma sociedade em decomposição, enquanto o faroeste americano a gesta de um país que nascia, ávido e sem lei.

Foram precisas mais de quatro décadas para que o cinema americano começasse lentamente a revisar essa visão maniqueísta, e curiosamente começou a criar novos mitos com AI Capone, Dillinger, Bonnie e Clyde, e poderosos chefões.

Decididamente o cinema americano - e seu público - tem um vertiginoso fascínio pela violência e por marginais.

Nós, cineastas do terceiro mundo, ingenuamente procuramos - e procuramos - fazer um cinema em que o personagem principal tem um sentido de justiça e luta na defesa dos valores em que acredita. Um cinema em que a imagem da realidade é mais complexa da que aparece na ficção simplista da poderosa e bem sucedida cinematografia americana. Talvez esse seja um dos fatores pelos quais o público nos torça um tanto o nariz. Não temos a desculpa de não haver epopéias, índios, massacres, perseguições, tiroteios. Nem sequer precisaríamos fazer um filme de época, com dispendiosas reconstituições, para conquistar os espectadores. Agora mesmo presenciamos um faroeste moderno, com uma matéria prima para além da imaginação do mais delirante roteirista, com uma complicada intriga em que não faltam abstrusos precatórios, queima de arquivos, políticos venais, advogados sem escrúpulos, exumação de cadáveres, crimes passionais tráfico de drogas, conexões internacionais, corrupção, subornos, falsificações, traições, fraudes fiscais, organizações clandestinas, lavagens de dinheiro, paraísos fiscais e até um ex-presidente. Um filme para o qual seria fácil encontrar co-produtores estrangeiros por que temos cenas em Miami, Nova York, Roma e nas mais importantes cidades do mundo.

Temos até, para eixo central da narrativa, grandes cenas de interrogatório - e o cinema americano já nos ensinou que os tribunais ou o Senado são um espaço dramático de primeira grandeza -, com um inquisidor-mor com o mesmo olhar gelado e cortante de "Ringo Jim, o homem de olhos de aço", um dos primeiros grandes heróis do faroeste americano, interpretado pelo ator William S. Hart.

Para as filmagens começarem resta apenas esperar o veredicto final deste faroeste moderno: se prevalecer a impunidade, alguma grande produtora norte americana, com seu tradicional fascínio pela vitória dos "fora da lei", filmará a "pizza" brasileira com um "happy end" nas Ilhas Caymann.

Se os bandidos de colarinho branco pagarem pelos seus crimes, então dará filme brasileiro.