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28º Festival de Cinema de Gramado: “Temos direito à universidade”, defende Ruy Guerra




O livro Estorvo, de Chico Buarque de Holanda, é uma obra que sozinha tem força o suficiente para provocar a mais terrível angústia. Uma trama perdida voluntariamente, incrementada por constantes questionamentos sobre a morte, a existência e o dinheiro. Seus personagens não têm nomes, e os acontecimentos estão sempre no limiar do delírio, sempre fugindo – como a personagem principal - de uma improvável destruição. É um perfil de livro que parece irrealizável para cinema.

Mas o diretor Ruy Guerra, 69 anos, o realizou. Protagonizada pelo cubano Jorge Perugorría, com trilha de Egberto Gismonti e fotografia de Marcelo Durst (de Os Matadores e Castelo Rá-Tim-Bum), Guerra trouxe às telas essa história, e levou sua cria ao último Festival de Cinema de Cannes, onde foi bastante criticado. Injustamente. Pois se Estorvo tem alguma característica relativamente ruim, é a necessária e propositada agonia que prende o público à cadeira pelos seus 95 minutos de duração.

A trama é digna de muita tensão, Hipnotizou e contorceu toda a plateia que lotou nesta quarta-feira o sessão da mostra oficial do 28º Festival de Cinema de Gramado. O diretor Ruy Guerra, que também participa do festival atuando no curta Retrato do Artista com um 38 na Mão, de Paulo Halm, falou sobre o seu filme.

Esta deve ser a primeira vez que você participa de um festival como ator e diretor. Como está sendo isso pra você?

Ruy Guerra – É muito agradável. Há bastante tempo já conheço o Paulo Halm, que me convidou para fazer este personagem, que tem muitas coincidências com o personagem principal de Estorvo, no que diz respeito a essa procura pela morte. É realmente muito bom, menos pelo fato de estarem competindo os dois, mas muito mais pela experiência de atuação. A experiência com atuação faz com que se tenha maior controle sobre o trabalho como diretor.

Além de Estorvo, entre suas produções mais recentes estão filmes como A Bela Palomera, baseado no livro de García Marquez, e Kuarup, baseado no livro de Antônio Callado. Você está assumindo uma preferência por trabalhar roteiros adaptados da literatura?

Não, não estou assumindo nada. Esse conjunto não tem uma constância. Foram somente livros que sempre cogitei adaptar e fui fazendo. Agora por exemplo estou terminando um roteiro meu, de um filme que chamará Três por Quatro, que será uma espécie de continuação de A Queda, fechando assim a trilogia com Os Fuzis. Filmes adaptados são o resultado de uma satisfação pessoal, de querer dar imagens a coisas belas que se leram. Tenho ainda muita vontade de fazer Quase Memória, do Cony, mas ainda não consegui.

Estou terminando o roteiro ainda, e começando a captação. Não seu quando deve ficar pronto, já que nem na pré-produção estamos.

Por que você decidiu fazer o filme com Jorge Perugorría?

Foram diversas circunstâncias que incidiram nisso. Primeiro ia fazer um filme falado em espanhol, e mantinha o contato com o Jorge. Ele é um ator fantástico, sempre gostei muito do seu trabalho e já tinha vontade de convidá-lo. Daí acabamos por Estorvo e continuei com ele no elenco.

Você espera uma acolhida de público e crítica diferente de Cannes?

Espero sim. O filme já foi exibido no Rio, e lá a crítica tem falado muito bem dele, fiquei muito feliz.

O que você acha que acontecer em Cannes?

Existem vários fatores. É uma consequência não só da receptividade francesa, mas principalmente daquilo que o Brasil está acostumado a produzir cinematograficamente. O cinema de cá está muito institucionalizado e a crítica de lá não está aberta a filmes brasileiros que não façam parte dessa instituição. Lá eles esperam sempre dos países não europeus uma expressão exótica. Querem sempre ver filmes brasileiros que mostrem coisas nossas, folclore carnaval, essas coisas... Não tem nada a ver! Nós temos o direito também à universalidades, podemos lidar com fatores pensantes, que eles se acham totalmente no direito. Esse sentimento de posse europeu se ressentiu bastante com meu filme.

Fora isso, é um filme com uma linguagem muito própria, muito forte, e por isso esse desconforto já era até esperado. É uma filme difícil, com uma linha interpretativa pouco maleável. O fato da crítica por aqui estar falando bem dele me deixou otimista. Primeiro porque a crítica mostra não estar dominada pelas opiniões europeias, e também porque mostrou-se inteligente, soube enxergar o livro de Chico transformado na tela.

O que você acha de Gramado?

É um festival que é bastante recompensador pelos encontros, e pela cidade mesmo, que é muito agradável e sempre recebe as pessoas muito bem. É uma oportunidade muito boa estar aqui, aqui mais participando.

Há quem queira tornar o Festival de Gramado só brasileiro novamente, como já no início. O que você pensa a respeito?

Não tenho opinião formada sobre o assunto, não sei dizer. Alguns fatores indicam que desse jeito é melhor. Temos dois festivais de cinema grandes no Brasil, o de Gramado e o de Brasília, e outros que vem crescendo, como o Festival de Recife. Acho que o Brasil ainda não tem uma produção cinematográfica consistente o suficiente para tantos festivais somente brasileiros. Por isso acho interessante abrir para o cinema latino. Esse formato me agrada.