Algumas palavras me foram pedidas para prefaciar ou orelhar este livro.
Ingênuo, acabei aceitando a incumbência, e agora ralo.
Não sou poeta, embora às vezes a insônia me iluda e arrisque algumas ideias em linhas cortadas e rimas esquivas, que relidas à cruel luz do dia, são prontamente engavetadas.
Crítico, menos ainda. Não tenho o saber ou a vocação.
Mas sou leitor teimoso, de muitos anos e muitos prazeres, no sabor da palavra certa.
Talvez isso me credencie estar aqui.
Por que para mim, poesia é isso: um prazer no gosto da palavra que nos fere, irremediável, com uma doçura e exatidão que asfixia.
Uma flecha no peito.
O poeta - não existem grandes e pequenos nesta coisa de ser - é um desgarrado que abre caminhos para nos perdermos.
No ofício das artes, se houvesse hierarquia, eu o colocaria no topo do monte - com raiva e inveja - por ele dizer o sabido que não sabíamos que sabíamos, com palavras muitas vezes gastas pelo uso, mas que nos revelam a nós mesmos. É como se escutássemos o eco de coisas desconhecidas, extraviadas, pressentidas, a esmo.
A poesia é um espasmo.
O que que a arte tem de maravilhoso - ousaria dizer sem buscar definir – é a sua total inutilidade. Não mata a fome, não mitiga a sede, não protege do frio e do vento.
Nada é tão inútil como a poesia - daí a sua imensa grandeza.
É a mais inútil e mais transformadora manifestação do ser humano.
Na pré-história. os primeiros hominídeos, nossos tataravós, olharam o céu, o chão, franziram as sobrancelhas, respiraram mais fundo, inquietos ou sonâmbulos, ou as duas coisas, sei lá.
E não teria nada de mais absurdo e desnecessário que ficar horas a fio olhando a lua ou o amarelado de um imenso deserto, se desse longo olhar não tivesse brotado uma ignorada dimensão imaginária, desbravadora e feroz, que os iria mudar para sempre.
O poema é isso: um incontornável e não-explicado deslumbramento que nos transforma ..
São muitos os caminhos dessa transformação, que a arte nos desvenda. Sabedoria, excitação, angústia, euforia, perplexidade, reflexão, êxtase ... e não só; caminhos escancarados e subterrâneos, sombrios ou ensolarados, que nos trabalham.
A arte não prova nada: não explica a força da gravidade, não analisa a a voltagem do coração da baleia, a curva da luz, não tira a raiz quadrada do infinito, ela simplesmente é aquilo que o ser humano sente e expressa. E precisa, para ser o que é - e para caminhar na vida, que para isso não bastam os sapatos.
Quando um jovem como Daniel Rocha, no trânsito caótico dos dias de hoje, encontra espaço e tempo para se aventurar pelos terrenos sinuosos da poesia - e a encontra - fico comovido.