1.
Não, não foi assim que morreu o Bobby, o cãozinho de pelos de arame... Não era um cãozinho de pelos de arame, nem sequer se chamava Bobby, mas morreu assim...eu conto.
2.
Era um desprezado cão da rua, sem nome e sem raça, vivia a vida livre dos que não tem casa, nem dono, nem carinhos. Uma vida de vagabundo que anda por onde quer, dorme quando lhe apetece e come quando pode. Vida de sofrimento, de incertezas, mas de felicidade também.
3.
Chamei-lhe Mulato, mas nunca deu pelo nome. Quando vinha brincar para junto de mim, era porque lhe apetecia e não porque eu o chamasse. Brincava quando a sua natureza o obrigava brincar, mordia quando o seu ser se revoltava. Era um cão de rua, um cão inteiramente de instintos, um cão que não sabia fingir.
4.
E por isso eu gostava tanto dele...
5.
Ficou meu de uma maneira simples, veio ter comigo e lambeu as minhas mãos, viu em mim um amigo, eu não vi mais que um cão sem raça e sem beleza. Chutei, mas ele voltou. Voltou sempre. Seguiu-me. Não porque tivesse fome ou sede, recusou-se a tocar no que lhe dei, nem sequer bebeu um pouco de água, como certos cães atenciosos, era um cão sem raça, um cão sem educação, um cão de rua que não sabia o que fazia, fazia o que sentia.
6.
Eu não fiquei com ele, ele que ficou comigo, eu não lhe tinha amor ou ódio, apenas indiferença. Um cão da rua sem raça... Meu “Pobre Mulato”...
7.
Esperava a minha saída da escola, para onde ia sempre ele ia, sempre. Comecei a ter-lhe amor, depois.
8.
Foi assim durante muito tempo, e aquele cão de rua sem raça, sem dono, de pelo amarelo sujo, tornou-se um verdadeiro amigo: sincero porque obedecia instintos, mordendo-me quando o magoava.
9.
Mulato era feliz comigo, era feliz na minha companhia, mas sofria, era um cão de rua, sem raça, tinha nascido livre, vivido livre, não podia morrer preso, e a sua amizade por mim era uma prisão.
10.
Principiou a desaparecer, primeiro por pouco tempo, depois por dias seguidos, mas voltava sempre, um dia porem não regressou; eu esperei-o e ainda hoje o espero apesar de saber ser inútil. Viera para mim como se fora de livre vontade; eu gostava dele e ele de mim, mas o que nos unira, separara-nos: o instinto. Voltara a ser um desprezado cão da rua sem raça nem dono. Eu chamei-lhe Mulato, mas foi sempre um cão sem nome, como tantos. Como nenhum, nascera de novo para a sua vida, mas para mim morreu assim. Contei.