Cuba, cemitério de cow-boy:
carta aberta a John “Alamo” Wayne
Ruy Guerra

Os cow-boys da minha infância
(Buck Jones
Tom Mix,
Bil Elliot,
Roy Rogers,
Gene Autry,)
teus colegas ingénuos, dear John
heróis desdentados
estão instalados em frete de um TV set Colour Dynamic, Remote Control
o chiclets pingando das gengivas senis
os olhos marejados de passado
piscando amargamente
a incompreensão
destas imagens vivas
fortes,
perfeitas,
de os seus his and yours compatriotas, John
se afogando no azul tranqüilo do Caribe
pesado de aço
mustangs de urânio
e de história.
Explica aí de cima, Dear John
com ajuda do Mighty Lord
- que ouvi dizer é bom de papo –
que a televisão assim como liquidou com Hollywood
está acabando com o futuro da América
do Norte.
Explica aí de cima, Dear John
aos teus velhos colegas de pradaria,
na sela das suas poltronas de xadres
cavalgando ressacas na frente das suas
tevês,
tu, cow-boy padrão,
cow-boy simbolo
cow-boy mais cow-boy que qualquer cow-boy
que nem precisaste que o teu cavalo tivesse nome
e fizesses habilidades para seres o melhor
(the best, ouviste Roy?)
Tu, dear john
que nem precisaste sacar o seis-tiros
com a rapidez do relâmpago para seres o melhor
(the best ouviste, Tom?)
tu, dear John
que nem precisaste guardar os Colts com as coronhas para frente
para seres o melhor
(the best, ouviste Bill?)
tu, dear John
que nem precisaste de cantar uma só country-song
para seres o melhor
(the best, ouviste Gene?)
tu, dear John
que nem precisaste que as abas do teu chapéu fossem imensas
para seres o melhor
(the best, ouviste Buck?)
explica aí de cima da tua glória
= do teu pedestal,
= da tua morte
esse desastre verdadeiro
que a televisão maldita
está satelizando para o mundo inteiro
dos cow-boys de hoje
cavalgando megatons
sacando neutrons e disparando germes
e acabando vomitando a arrogância em golfada de surpresa
flechados pela certeza de um povo.
Mestiço, ainda por cima.
(já não se fazem mais Touros Sentados
como antigamente!...)
Os índios, plenos menos
eram raças puras,
não essa pouca vergonha
desses comunistas tropicais
fornicados no prazer de raças
que não souberam se honrar no assassinato mutuo
e resolveram discutir as contradições da história, em duelos de sexo, à sombra de palmeiras,
no abrigo dos canaviais,
Isso para quê? Para parir esses filhos de uma revolução:
Não é, dear John? Falei pouco e falei bem?
Mas vá, explica, John,
mas explica em voz alta
em claro e bom som,
que a tua turma de colegas cow-boys está meia dura de orelha
e o resto da América também te quer ouvir
(Cost to Cost,
sponsored by White House and Pentagono)
e também está meio dura de ser convencida
da justeza deste genocídio fracassado.
( Nem tudo é.... na vida, não é Johnny?)
Cameras e microfones à tua disposição
old Johnny,
para a tua explicação irrefutável
irretorquível,
definitiva....
a voz de 1 cow-boy, the cow-boy para o mundo.

(uma página ilegível)

O velho Reagan também está meio sem crédito
(não, não é preciso uma subscrição que ele não esta mal
de vida, não, continua milionário, como todo o Presidente made in USA)
está é sem credito entre a coboyada
porque quando trabalhava em Hollywood
ele aparecia nos filmes sempre de manga arregaçada
e agora é só de terno e gravata para cima
e o pessoal acha que isso confunde o tipo.
Cow-boy que é cow-boy
não mistura alhos com bugalhos ( quero dizer jeans com black-tie).
A turma também acha que ele anda dando
muitos beijinhos em publico
e isso não é atitude de cow-boy que se preze.
É por essas e por outras
que eles acham que o único cow-boy que ainda pode
falar numa Network és tu.
Quais são as outras? Essas e outras é uma maneira de falar , ....
quer mesmo saber quais são as outras,
aí, Johnny, a barra pesa
e eu não me quero envolver.
Só estou aqui para servir de porta-voz
da velhada da minha infância moçambicana.
Mas para não dizeres
que fugi com o rabo à seringa
só quero dizer que eu até que não tenho nada
contra o old Ronald Reagan.
É verdade que já nas matinés duplas de sábado
do velho Scala
(não o cinema Scala continua com o mesmo nome
o Varietá é que passou a Madjeje, mas no
Varietá eu não via coboyada eu via seriado tipo Arqueiro Verde, o Circulo Vermelho África.sempre, tudo em preto e branco só havia cor no título).
mas como dizia
já nessa época
eu fui muito com o Ronald Reagan.
Para falar a verdade
para mim eu nunca o considerei muito cow-boy
era mais mocinho sei-lá-o-quê. E como mocinho sempre fui mais o Humphrey Bogart.
Mas agora mudei de opinião.
Agora eu acho cow-boy pra valer.
Cowboião, mesmo.
Foi preciso entrar na política
para ele se encontrar.
Sem desmerecer
ele é uma espécie de Jece Valadão,
que consegue ser mais cafajeste na vida
que no cinema. (o exemplo é meio furado
porque o Jece consegue se um bom cafajeste
na tela, o que não era o caso do old Ron)
Mas dá para entender, né?
Estas vendo, dear John
que eu não tenho nenhum preconceito
contra o teu atual Presidente,
embora eu dê razão aqui à turma dos macróbios
(macróbio, John, não micróbio)
macróbio quer dizer velho,
micróbio que dizer matéria prima daquelas bombas ... o B-24
lançavam no Vietnam do Norte).
Mas retomando
embora eu de razão à macrobiada
que o Reagan, como Presidente,
caiu do cavalo
e está no mato sem cachorro.
(v. não entende este linguajar, John?
Deixa pra lá. Só quero dizer que como Presidente o Reagan
é um excelente cow-boy, sacou? )
Como político
é um excelente argumentista de cinema.
Já imaginou o rotieo que ele está planejando
ameaçando Cuba de invasão?
o problema é que tudo está dando errado
e quer atribuir-lhe a culpa.
Como é que ele podia imaginar
que esses cubanistas
(comunistas cubanos, Johnny, deixa de vez em quando
eu sangrar a minha veia poética)
iam botar areia na máquina?
Quem é que poderia imaginar
que toda essa propaganda de Independência ou Morte
não era apenas um slogan?
Eu sei que na América
as coisas não são mentirosos, como em Cuba.
Que publicidade é publicidade
é para vender, não para acreditar.
Mas os ingênuos dos cubanos
não parecem saber essas coisas
e pumba...Venceremos.
Vê se é possível. Só mesmo subdesenvolvidos
podem agir assim.
Como é que o old Ron afora pode explicar
um Vietnam caribenho,
assim às portas do quintal florido?
Tens de ser, tu dear John
que mais uma vez tens de salvar a América
desses selvagens mestiços,
sòzinho,
como sempre o fizeste,
com os teus punhos
o teu andar gingado
as tuas meias-botas empoeiradas,
o teu único revolver
quase invisível na tua manápula sadia
parecendo até um milagre
de dedos cuspindo chumbo certeiro
no corpo vermelho do adversário.
Vermelho dos Redskinou
ou dos comunas cubanos,
tanto faz.
A good Indian in a dead Cuban.
Não é bem assim?
É preciso acompanhar a história, John
e o velho Reagan do jeito que vai
não tem pernas nem para dançar o Danúbio Azul.
Todas as esperanças estão em ti dear John
e a América Silenciosa de Sempre
berra o teu nome em uníssono.
Não, John, a Cavalaria são está conseguindo galopar
por cima das ondas para mergulhar as LongKnives
nesses selvagens da Ilha.
Foi por isso que o nosso Reagan apelou para a aviação,
para a Marinha, para a Cia, para os guzanos, para o Haig
(o General, não o whisky)...
O Whisky talvez tivesse dado mais certo, como com os Sioux?
Pode ser, John, pode ser, mas é bom lembrar que esses malditos
cubanos têm as tripas temperadas de rum,
estão tão envenenados de álcool
que até eu, que não tenho nada com isso tudo,
duvido um pouco que essa tática tivesse dado certo.
O Haig (O general), coitado, nasceu com esse nome predestinado
Com um século de atraso. Quem devia se chamar Heig era o Custer.
Não estou dizendo isto para rir, só por uma questão de lógica.
Como também acho que o Sitting Bull,
de sentado não tinha nada
e de touro só tinha o peso do desespero.
(perdoa esta nova lancetada
mas se a gente está derivando um pouco no papo
é devido a essa tua teimosia
de não quereres assumir
o teu lugar
de cow-boy
e acertares este presente
filme tão bem escrito pelo old Ron
e tão tumultuado pelos extras cubanos.
Queres detalhes? Do que se passou?
É simples.
O safado do Fidel
continua fazendo pesca submarina,
discursando pelos cotovelos
com aquela voz falsamente açucarada
e atirando para todos os continentes
idéias altamente subversivas
demagógicas
o povo no poder
amizade entre os povos
e outras quejandas.
(o diabo é tão cínico
que até acredita na amizade dos povos
cubano e americano, vê lá tu!)
Fica mandando para os povos em luta
pela sua independência ,
tropas e professores.
Para Angola, soldados
Para El Salvador maestros,
só para confundir a nossa bem amada Cia,
e depois quando ela troca as bolas
com toda essa confusão
até parece que a culpa é dela
e não dele.
Coisa de machista!
Porque soldados para Angola?
Ora, só porque os sul-africanos
resolveram dar uma mãozinha à Unita e fazerem umas
invazõezinhas e uns massacrinhos dentro de Angola,
com apenas uns milharzinhos de soldados equipados
com tudo o que há de mais moderninho em matéria
de instrumentos de guerra.
Com que direito ele invadiu a África?
Vê se pode. Por que o Presidente de Angola,
um tal de Netto,
em vez de continuar a escrever poesia
pediu ajuda. Eles chamam a isso de internacionalismo.
Essa coisa de um Presidente achar que pode mandar no seu país.
Como se um negro pudesse mandar em alguma coisa..
Quem é negro? Bem... Onde é Angola?
Deixa pra lá, dear John. Se me permites uma opinião
de amigo desinteressado,
não entres nessas picuinhas e manda o verbo
que a turma da antiga está ficando impaciente.
Diz aquilo que sempre soubeste estar certo:
Que a América é a América
Que quem manda no mundo é o dólar,
que tem de haver um Estado que manda nos outros estados
que há uma raça superior e essa raça...
(bom, isso talvez seja melhor não dizer,
porque o desastrado do Hitler
– esse tu conheces bem, é do teu tempo –
bateu nessa tecla e pode pegar mal...
o Idi Amin tomou o partido do Hitler, coerentemente,
nas Nações Unidas e agora anda matando cachorro a berro,
já que não tem vez para matar mais nada)
Além do mais, falar no Adolfo, pode pegar mal com a Wall Street
que continua sustentando Israel... Mas estou falando de coisas que sabes...
Não sabes?
Mas tens a voz do teu sangue de cowboy.
É isso que a velhada daqui está esperando.
Vais falar? Ótimo. Não era sem tempo, Johnny
Enfim, vamos saber porque é que Cuba ameaça os United States.
Porque é que a razão está,
esteve e sempre estará com os Fuzileiro Navais,
mesmo quando eles são desbaratados
incompreensivelmente
por meia dúzia de pés rapados que deviam estar fabricando charutos
e plantando cana em vez de impedirem de serem salvos
da escravatura comunista...
Vamos enfim saber
como é que a mais poderosa potencia militar do Mundo
não consegue ganhar uma guerra desde a ultima Grande Guerra,
em que lutou bravamente ao lado da França, da Inglaterra, da União Soviética....
Talvez seja melhor omitir a União Soviética,
porque ninguém se lembra mais da propaganda americana em favor dela
nos idos de 44...
Só uma meia dúzia de gatos pingados, como este humilde escriba,
que lia o Vanguard,
distribuído em Moçambique pela Embaixada Americana,
e que lia essas proezas no intervalo das sessões de cinema,
no velho Scala, com os ouvidos ainda surdos
do estampido dos 11 tiros dos Colts de seis balas...
Coisas da memória traiçoeira de criança.
Fala, Johnny, e dá de novo ao Mundo a Mito do Cowboy,
o Americano por excelência, o Herói de six feet tall, olhos frios e a justiça no cadáver do inimigo...
O Gene, o Buck, o Tom, o Bill, o Roy e agregados
estão babando de alegria.
Enfim, vão voltar a ser o que eram e não esses vira-latas
que as crianças do mundo de hoje não respeitam mais, como ídolos eternos,
como eterna é a posse do Mundo pelo Mighty Mouse, pelo SuperMan,
que digo,
pelo SuperReagan, presidente de todos os Estados Desunidos deste mundo desafiado por vitórias subversivas de pequenos povos piolhentos e esfomeados
que acham que também têm direito a um T-Bonne Steack,
de vez em quando,
a uma bandeira nacional, e a não falar ingles,
a dançarem a salsa, a cantarem uma morna, e a não pagarem em green dólar
o que plantam
e a erguerem elegias a homens tão insignificantes e prejudiciais,
como Bolivar, Tiradentes, Farabundo Marti,
Samora Machel, Jose Marti, Mariátegui,
Agostinho Netto e outros menos votados
(como diria um bom e respeitado colunista social).
Um abraço, um autografo póstumo e sou todo ouvidos,
junto com a turma velha que está meio sonolenta,
mas pronta para ser o que era,
quando todos tiverem digerido as tuas palavras
finais e definitivas.
God Save the Queen, perdão, God Save America, que digo,
pergunte aí ao Compadre Todo Poderoso,
o que é que ele quer mesmo salvar
que eu estou um tanto embaralhado, com tanto mito.