Ruy Guerrapoesias

Para ler, sem dar muita importância
Ruy Guerra




Para ler, sem dar muita importância


Sou um homem de muitos amôres

Que é a maneira mais alegre que encontro

Para dizer que não tenho nenhum.


Sou um homem de tantas esperanças

E isto é o modo mais desesperado de falar

Que a minha se perdeu


Sou um homem de tristeza e alegria gastas

E isso é viver sem saber para onde e para quê.


Sou um homem sem mão nem arma para o suicídio

E dizendo isto confesso que a morte é o meu diálogo

Sou um homem que não ama mais o mar, o fogo, nem a madrugada

E assim ficam todos cientes de quanto valho nada.


Sou um homem pedindo um assassino bom

Por que na vida, tudo e só o que me assusta é a dor da carne.


Sou um homem que anda, corre, cospe, para

Sempre na multidão e mergulhado em sons

E agora todo mundo sabe o quanto eu estou solitário


Sou um homem que sente nas veias o sangue

Nos dedos o tremor, nos olhos o brilho, na pele o arrepio

E ninguém diga depois que não disse

Quanto o meu corpo é demais.


Sou um homem com um espasmo que nasce do estômago

E dá um gosto sem nexo à saliva e às palavras

Sejam elas quais forem. Aquelas e as outras.


Sou ainda um homem, porque escrevo e falo

Mas para quem a poesia chegou na idade adulta

Que é o jeito mais amargo de chegar, porque crispada e agressiva


Sou um homem sem saudades

Nem de família, nem de horas, nem de apetites, nem de você

Que devemesmo assim , ser o que de mais forte ainda vive em mim

Por que te lembro em quase cada instante.